Na abertura da Jornada Pedagógica da rede municipal de ensino, no dia 30 de janeiro, no auditório da UESB, tive a grata satisfação de reencontrar o amigo Sérgio Gomes, grande artista plástico e professor de arte da rede municipal.
Na oportunidade Sérgio me falou da experiência de estar fazendo doutorado em uma das mais requisitadas universidades da América Latina, sendo ele o único baiano a fazer parte da turma de doutorando em seu curso. Fiz um questionário e pedi a Sérgio para responder, pois julgo que sendo ele um itapetinguense e um professor da rede municipal, ou seja, da escola pública, esse seu aprimoramento deva ser compartilhado. Segue relato de Sérgio Gomes sobre o que o motivou a fazer esse curso semipresencial, na Argentina.
Fala Meu Ilustre: Qual a sua formação acadêmica?
Sérgio Gomes: A minha formação acadêmica teve início a partir de 1988 quando terminei o curso de Magistério no então Centro Educacional Alfredo Dutra. Depois fiz licenciatura em Pedagogia na UESB (Itapetinga-BA), licenciatura em Filosofia no Centro Universitário Claretiano (Batatais-SP), especialização em Direitos Humanos e Democracia na UESB (Itapetinga-BA), especialização em Arte em Educação na Faculdade do Noroeste de Minas Gerais e o Mestrado em Educação na UESB (Vitória da Conquista-BA). Atualmente sou estudante no Curso de Doutoramento em Educação na Universidade Nacional de Rosário – Argentina.
FMI: Como surgiu a ideia de fazer o doutorado, porque você optou por fazê-lo na Argentina?
SG: A ideia de fazer o doutorado veio sendo construída desde a época em que cursava Pedagogia. Isso se deve ao fato de eu ser professor de Arte e também artista plástico e, portanto, tenho me dedicado à pesquisa acadêmica em Arte-educação. Assim, todos os meus trabalhos de conclusão de curso, desde a monografia da graduação, especializações e dissertação de mestrado fazem referência ao ensino-aprendizagem de Arte na educação escolar. Também os meus trabalhos acadêmicos publicados têm como temática principal o currículo e a prática do ensino de Arte.
Os conhecimentos e experiências adquiridos nesses estudos e na prática educativa em Arte-Educação tem me inquietado em trazer uma contribuição mais aprofundada por meio de uma pesquisa em nível de doutorado que venha acrescer conhecimento científico. Acredito que tenho o perfil para desenvolver esse trabalho, até porque, umas das exigências que se faz no doutorado é que o aspirante tenha estudos e experiências prévios na área que queira aprofundar-se na pesquisa em educação.
Optei por fazer o doutorado na Universidade Nacional de Rosário na Argentina por alguns motivos que julgo ser importantes. Primeiro é que o modo como se entra em um curso de doutoramento nessa universidade pública da Argentina se diferencia do modo como se entra na maioria das universidades públicas brasileiras. No Brasil, você apresenta um projeto de pesquisa que deve estar previamente adaptável, não somente às linhas de pesquisas, mas também aos teóricos trabalhados nos estudos dos professores das tais linhas. Depois você participa de uma etapa de entrevistas onde te “passam um pente fino” para analisar o seu nível de conhecimento epistemológico e metodológico como pesquisador. Ou seja, em certa medida, você já deve ter um perfil de pesquisador formado, sem considerar muito se você teve ou não essa formação nos períodos de graduação e mestrado.
Na citada universidade onde faço curso de doutoramento, e também em outras universidades públicas da Argentina, o projeto de pesquisa é reputado apenas como introdutório e elemento a ser aperfeiçoado durante o período de estudo nas matérias do curso. Isto é, o estudante não é classificado no início pelo projeto que traz. Primeiro ele cursa as disciplinas, inclusive as que trabalham a pesquisa acadêmica em nível de doutorado (por um espaço de 2 anos) e depois apresenta o seu projeto que, nessa altura, deve estar melhor adaptado às exigências da cátedra, por exemplo, se exige a inclusão de uma certa porcentagem de obras de autores latino-americanos na produção acadêmica, entre outras. Também, ao entregar o projeto de pesquisa, o estudante deve indicar o seu orientador que pode ser brasileiro, porém acompanhado de um coorientador argentino, ou apenas um orientador argentino se preferir. Havendo entregue e aceito o projeto de pesquisa pela universidade, o estudante passa de estudante do curso de doutoramento a doutorando de fato e, daí por diante, seus estudos são direcionados unicamente à sua pesquisa. Observação: todos as aulas são em espanhol, os trabalhos são entregues em espanhol e a defesa da tese deve ser em idioma espanhol. Um dos desafios enriquecedores do curso é a experiência internacional e o reconhecimento da produção autoral que é muito rica na América Latina, mas, muitas vezes, invisibilizada por centros acadêmicos.
FMI: Qual a duração do curso e de que forma acontecem as aulas presenciais?
SG: O curso de doutorado acontece com o mínimo de 4 anos e o máximo de 5, no entanto, pode acontecer que alguém termine a pesquisa e redija a tese em um tempo inferior, o que não é muito comum.
As aulas acontecem em dois períodos durante o ano, entre os meses de janeiro e julho, e são concentradas de modo a cumprirem às exigências da carga horária determinada pela legislação argentina que, em média, se equipara às universidades brasileiras. Ao término do período de aulas os estudantes se dedicam às produções de artigos científicos e outros que, além de lhes servirem para avaliação, são publicados pela universidade.
FMI: Qual a importância da sua qualificação em um doutorado, sendo que você é um professor do ensino fundamental II?
SG: Fazer um doutorado, no meu caso, tem por benefício a capacitação para a pesquisa e a produção acadêmica, além de me capacitar mais, com certeza, para continuar exercendo o nobre oficio de professor em sala de aula, coisa que já faço a mais de 35 anos, independente que seja no ensino fundamental, médio ou universitário.
Muitos me perguntam por que estou fazendo um doutorado sendo professor no ensino fundamental e por que isso é tão importante pra mim. Essa pergunta revela a cultura que desenvolvemos de que essa formação é apenas da conta de professores universitários.
Fiquei encantado ao ver na Argentina muitos professores da educação infantil com nível de doutorado e com pesquisas no campo da educação infantil. Isso demonstra que é a qualidade do trabalho que o professor busca é que determina até onde vai com a sua formação acadêmica e não apenas os níveis de formação dos alunos que venha a trabalhar. Pelo fato de o conhecimento ser dinâmico e, muitas vezes, precisa ser redinamizado pelo professor, se requer a busca constante do conhecimento e isso traz de volta o professor como estudante para a sala de aula. Também fiquei admirado de ver na Argentina quão comum e simples é a entrada dos jovens nas faculdades, como a de Medicina, por exemplo, que no Brasil exclui grande parte dos estudantes que almejam o curso. Existem também muitos jovens nos cursos de mestrado, entre outros. Espero que os problemas que envolvem a economia daquele país atualmente não venham a afetar a cultura de formação que já está estabelecida por lá.